30.11.06

Evento de shopping

Ano de Copa do Mundo, sediada na França. O superintendente queria “vestir” o shopping de França. Fazer uma grande exposição - passeios virtuais por todas as cidades que sediariam os jogos da Copa, por meio de cartazes comemorativos e outros ícones franceses: champagne, vinho, alta costura, música e culinária. Se pudéssemos antever o desfecho dessa Copa, teríamos ficado quietinhos.

Contratamos uma empresa produtora experiente e muito próxima a nós. Já tínhamos produzido vários projetos juntos e confiávamos 100% nela. Logo ao avaliar o projeto, as sócias Mona e Mari nos alertaram sobre as dificuldades em conseguir informações sobre as cidades, o tempo era curto, os cartazes eram poucos, a Embaixada da França ajudou, mas não muito. A mostra ficaria fraca, sem apelo, sem charme. Mesmo assim, o superintendente insistiu e tocamos em frente.

Na pré-produção, precisávamos encontrar uma loja vaga e próxima à Praça Central para servir de apoio à produção e servir de fachada para um bistrô. Coincidentemente, poucas semanas antes, uma loja havia sido desocupada. A Renata, produtora que estava comigo nesse projeto, foi até lá para fazer um reconhecimento da loja, ver que tipo de limpeza seria necessária, mobiliário, pontos de luz, etc.

Voltou lívida e tonta. Disse que tinha alguma coisa lá, muito ruim, que não sabia dizer o que era, mas que não voltaria lá sozinha. Nem chegou a acender a luz da loja, pois o interruptor ficava bem no centro. “Ok, Renata, vou lá com você.” E fomos. Parênteses: a Renata é meio bruxa. Tem alguns sonhos premonitórios, sente umas presenças, percebe coisas no ar... mas nega tudo, porque morre de medo. Por isso, é catolicíssima.

Chegando à loja, caminhei no escuro até o centro para acendê-la. Pronto. Tudo aceso e o que vimos foram apenas uns manequins quebrados, umas prateleiras, umas mesas e só. Só, não! A Renata continuava lívida, tonta e estática, garantindo que tinha algo muito ruim dentro de uma das cabines de troca. Fui lá e abri. Nada. Mas confiei nela e saímos rápido.

Liguei para uma das produtoras.

- Mona providencie um despacho, um trabalho, um banho, sei lá, qualquer coisa para limpar aquela loja. A Renata sentiu uma coisa ruim, e esse tipo de faro da Renata não falha.
- Qué isso, Roitman (alusão à Odete Roitman, da novela Vale Tudo... apelido carinhoso esse que ela me deu, não?), como vou justificar e comprovar gastos com uma mãe de santo?

E caiu na gargalhada. Eu só propus isso à Mona porque sabia que ela se consultava com freqüência e confiava muito numa tal de Manoelina. Mas ela não deu muita bola, só colocou um sal grosso e acendeu uns incensos. E assim, seguimos na produção.

Aos poucos a Renata foi perdendo a implicância com a loja e a gente esqueceu o assunto. Tudo dava a entender que o evento seria fraco, nada tava dando muito certo. Nosso feeling experiente dizia que não iria “bombar”. Mas fazer o quê, tá na chuva é pra se molhar...

Agendamos a montagem de tudo no sábado à noite. A abertura da mostra seria no dia seguinte, domingo, ao meio-dia. Nos shoppings é assim: esse trabalho grosso, pesado, sempre é feito após o fechamento do shopping, na véspera. Assim, 23h estávamos lá, posicionando os painéis, arrumando a fachada do bistrô e o palco da Praça Central.

Esse palco era redondo, com um piso tricolor (azul, vermelho e branco). Tinha manequins com réplicas de vestidos de alta-costura, duas mesas do bistrô, uma miniatura da torre Eiffel, duas taças e uma garrafa de champagne gigantes, suspensos por cabos de aço.

Lá pelas 2h, a Mona foi pra casa. A Mari, a outra sócia, ficou pra finalizar tudo comigo e com a Renata. Foi uma madrugada cansativa, mas divertida, pois estávamos entre amigos. Às 8h, quase tudo pronto, faltava apenas suspender as taças e a garrafa de champagne.

Os cabos de aço eram acionados individualmente por funcionários plantonistas do shopping, que subiam na cobertura para acioná-los lá do alto. E a gente embaixo, gritando: mais pra lá, mais pra cá, mais alto, mais alto! Subiram as taças. Tudo certo. Faltava apenas a garrafa. Um cabo preso em cada ponta da garrafa. Detalhe: esses cabos de aço são muito pesados e resistentes, foram desenvolvidos para içar coisas muito, muito pesadas. Mas a garrafa era de isopor...

Garrafa subindo. Sobe uma ponta, sobe outra. De repente, a garrafa se rompeu ao meio. Claro! O peso dos cabos era muito superior ao objeto suspendido. Cada metade da garrafa passou pelo palco arrebentando tudo: a réplica da torre Eiffel, os manequins com os vestidos de alta costura e ainda por cima manchando de tinta verde fresca o piso tricolor.

Puta que pariu!!!!! Gritou a Mari. Silêncio. Todos atônitos, sem saber o que fazer. Eu deitei num banco e comecei a chorar. A Renata emudeceu. O shopping abriria em poucas horas. Não havia o que fazer. Depois de um bate-boca, o cenógrafo contratado assumiu a mancada, recolheu a garrafa e a torre e as levaram para conserto. Rearrumamos o palco, de modo a não ficar vazio e esconder as manchas de tinta verde. O shopping abriu e não tínhamos nada para mostrar. Belo início.

O evento se comprovou um fiasco. O que valiam eram as degustações de vinho bordeaux itinerantes e um músico que tocava músicas francesas no acordeom. Esse músico era albino e tinha o apelido de Sivuquinha, por se parecer muito com o músico Sivuca. Ele passeava pelo shopping, tocando nos corredores para grupos de pessoas. Quando me via, sabia que eu trabalhava na produção do shopping e queria me agradar, então vinha tocar pra mim. Aquilo acabava comigo. Eu sentia uma peninha tão grande dele, me emocionava e começava a chorar. Ele achava que era a música que me emocionava, então, tocava mais. Conclusão: passei 15 dias fugindo do Sivuquinha.

A loja? Ah, soubemos depois que o dono havia sido despejado e que tinha rogado uma praga para aquele ponto, que nada instalado ali teria sucesso. Parece que a praga funcionou. Depois dessa experiência, criamos uma rubrica para incluir verba extra para “trabalhos de limpeza” nos projetos seguintes. Sabe-se lá, né...

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