30.11.06

Cheiro de terra molhada



As aventuras mais divertidas da minha infância aconteceram na chácara da tia Lizinha - um lugar mágico. Ela foi o símbolo da nossa infância. Tudo lá tinha uma dimensão diferente, o tempo parecia correr mais lento, talvez porque éramos muito pequenos.

Passada a porteira, logo à entrada, avistávamos um casarão. A casa branca e azul tinha um alpendre que a rodeava pela frente e lateral, com um chão de cimento queimado bem encerado, onde a gente adorava andar descalço porque era frio. Ali, cansamos de correr, descansar e brincar de bonecas. Ali ao lado havia uma árvore que invadia o espaço com sua sombra e seus cachos aveludados, que pareciam rabos de macaco cor-de-rosa. E assim os chamávamos, pois nunca soubemos que árvore era aquela.

A casa tinha uma cozinha digna de novela de época, muito simples, mas que tinha um grande fogão e um forno a lenha, uma mesa longa que reunia todos os adultos à hora das refeições, e que também era o centro de todas as atividades da casa.
Uma vez fomos passar férias lá, uma semana inteira: eu, Lu, Dani, Larissa e acho que o Júnior também. Viramos reis. A tia Lizinha não media esforços para nos agradar e paparicar, e nós não parávamos um minuto. A área externa da casa, aos fundos, era de chão batido, que abrigava cachorro vira-lata, galinhas, galos, pintos, gatos, passarinhos e o que mais aparecesse. E a gente lá, futricando em tudo. Vimos como se faz queijo, bebemos leite tirado direto da vaca, comemos uns coquinhos bem pequenos, mas deliciosos, que caíam de uma árvore, brincamos com tinta de urucum e de boneca à exaustão. Também lavamos louça com sabão feito de banha não sei de quê. Era fedido, mas funcionava.

Dormimos com o sol se pondo, junto com os horários da tia Lizinha e do tio Agenor. Quem nos acompanhava nisso tudo era a madrinha Maria. Ela foi uma bela cicerone e ensinou àquelas crianças da cidade grande como curtir a roça. A tia e a madrinha faziam uma gemada deliciosa, com ovos gigantescos. Tão bonitos que quis comer uma gema crua, pela beleza exuberante daquele amarelo. Na verdade eu não comi, eu engoli sem que estourasse na boca. Um feito! Tentei isso anos mais tarde e não deu certo. A segunda experiência não foi tão prazerosa quanto àquele ovo caipira, argh.

Na minha lembrança a casa era muito grande. Tinha uma área proibida para as crianças, onde ficavam os quartos, as salas de estar e de visitas. Tudo lá era muito limpo e cheiroso, bem arrumado, por isso não podíamos entrar. Ali era lugar de visita ilustre, leia-se, adulto. Mas toda limitação tem sua magia, né? A gente entrava ali no maior cuidado, para olhar as coisas, bisbilhotar o quarto deles, que era enorme, mas não tocávamos em nada. Tinha uma televisão que a gente nem ousava ligar. Também não pensávamos muito nisso, já que tínhamos muita diversão pela frente.

Apesar de brigarmos e fazermos as pazes, talvez por causa das bonecas (nem me lembro mais), a semana transcorreu sem que percebêssemos seu fim. No domingo a família toda se reuniria para uma grande pamonhada e levar as filhas de volta. Era realmente muito especial preparar comida em grupo, pois todos tinham uma função. As crianças descascavam as espigas de milho e tiravam os cabelinhos. As mães e tias ralavam o milho, e a vovó e a tia Lizinha temperavam as massas de doce e de sal, e depois voltavam para as mãos hábeis das tias para fazer as trouxinhas. Isso levava deliciosas horas! Ao mesmo tempo, eram preparados almoço, arroz-doce e ambrosia (um dos meus doces favoritos). Não me perguntem o que faziam os homens da casa, porque eles desapareciam e só voltavam para comer.

Nesse dia, enquanto se cozinhava as pamonhas, as crianças se juntaram e foram fazer mais um passeio exploratório, guiado pela prima mais velha, a Luciana, e a tia Regina. Dessa vez o grupo de primos estava completo, pois Érico, Bruno, Paula, Cláudio e Ricardo se juntaram a nós. Eu, sempre desajeitada, me perdi de todos e fui parar no meio de um laranjal. Andei, andei, gritei, chorei e fui parar à beira de um riacho. Já nessa época já era uma desorientada. Entrei em pânico, pois diziam que o riacho era habitado por jacarés. Mentira, essa era uma história para afastar crianças bisbilhoteiras do perigo de afogamento.

Passado um tempo eterno, fui resgatada. Demorou tanto que, ao voltar pra cozinha e pro colo da minha mãe, constatei que as pamonhas já estavam prontas. Passado o susto, nos empanturramos de almoço, pamonha, arroz-doce, ambrosia, bolo, café e o que mais aparecesse até ir embora.

Toda partida era muito sentida, porque achávamos que a chácara era muito longe e que demoraríamos a voltar. Mas que nada, tempos depois voltávamos para mais um domingo.

Depois de crescida, nunca voltei. Anos mais tarde eles venderam a chácara e foram para a cidade. Ao encontrar a tia Lizinha e o tio Agenor nos últimos eventos de família, eles me pareciam ser os mesmos dos anos anteriores, o tempo não parecia os afetar, ela tinha a mesma pele, o mesmo sorriso, só ia ficando menorzinha... E o tio, sempre elegante e altivo, continuava naquela postura de lorde inglês.

Com a partida da tia Lizinha, uma parte da nossa infância se foi. Eu me sinto feliz por ter todas essas memórias, mas sinto pela minha filha não viver a mesma simplicidade daqueles tempos.

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